domingo, 28 de abril de 2013


Ao passar dos anos, formulo o desejo de me vê repentinamente com trinta anos, sem saber o que aconteceu nesse intervalo.
Meu sentimento é de perplexidade, e pergunto a mim mesma: como decorreram todos esses anos?
Ainda sou aquela menina assustada que entrou pela primeira vez na escola; ainda sou aquela professorinha ingênua que enfrentou a sua primeira turma; a advogada com cara de menina de tranças; aquela virgem sonhadora que entrou na igreja, vestida de branco, para um casamento que durou tão pouco! Ainda sou aquela mãe aflita com a primeira febre do filho que hoje tem mais de trinta anos.
Passei batida pela tal crise dos trinta, pois estava ocupada demais lutando pela sobrevivência, pelo desejo de oferecer aos meus filhos a segurança tão almejada.
Aos quarenta imaginei a grande festa, porém não se realizou.
E o tempo passou me proporcionando a construção de uma nova vida, e novos anseios.
Hoje me pergunto onde está à velhinha que eu esperava ser nesta idade, e onde se escondeu a jovem que olhava para o espelho todas as manhãs desenhando o perfil de anos vindouros.
Faço parte de uma geração que revolucionou a história e a sociedade, uma época de profundas e rápidas transformações. A música se rendeu aos festivais de Chico, Gil e Caetano, dentre tantos outros. Vi as façanhas do imortal Cazuza, a singeleza de Ana Carolina, e choro diante das letras e da voz de Alcione. Entretanto, como num conto de fadas, Roberto foi além da Jovem Guarda, e vivemos ainda a Velha Guarda através das suas canções.
Vi a ditadura militar, às passeatas pelas diretas e impeachment do presidente a um novo país misto de decepções e esperanças e “caras pintadas”; fiz parte das grandes greves e passeatas estudantis, encarei a invenção da pílula e a liberação sexual ao bebê de proveta. Sofri ao constatarmos a imposta presença da AIDS, e do câncer; e tudo se tornou irremediavelmente inseguro ao constatarmos que as drogas ilícitas atacavam aos seres humanos com a firmeza de um gladiador diante da sua presa.
Vi o orgulho do futebol brasileiro (e alguns vexames históricos).
A televisão chegou ao Brasil, mas a minha família só conseguiu comprar um aparelho alguns anos depois e, por meio de suas transmissões, vimos à chegada do homem à lua, a queda do muro de Berlim e algumas guerras modernas.
Passei por reformas ortográficas e precisei aprender a nova linguagem do computador e obviamente, da internet. Aprendi tanto que foi por meio desta que descobri como é interessante o mundo virtual!
Não me sinto diferente do que era há alguns anos, continuo tendo sonhos, projetos, me alimento e durmo bem, gosto de cinema, música, de dançar, leio muito, viajo para os lugares que um dia sonhei conhecer.
O que me faz rejuvenescer é o contato com os alunos, que bem sei também se beneficiam da minha experiência. Vale ressaltar que  tenho aprendido muito mais que ensinado.
Comecei a precisar de óculos para perto e para longe, e tinjo os cabelos, pois os brancos falo que são privilégio que herdei.
Há marcas do tempo, claro, e não somente rugas, mas também cicatrizes, testemunhas de algumas aprendizagens: a do apêndice me traz recordações; a da cesárea marca minha iniciação como mãe de um filho homem.
Lembro-me diariamente que a vida nos traz surpresas nem sempre agradáveis e que não tenho tempo a perder.
A capacidade de fazer várias coisas ao mesmo tempo diminuiu, lembro-me de coisas que aconteceram há bastante tempo e... Esqueço as panelas no fogo.
Aliás, a memória (ou sua falta) merece um capítulo à parte: constantemente procuro determinada palavra ou quero lembrar o nome de alguém e começa a brincadeira de esconde-esconde. Tento fórmulas mnemônicas, recito o alfabeto mentalmente e nada! De repente, quando a conversa já mudou de rumo ou o interlocutor já se foi, eis que surge o nome ou palavra, como que zombando de mim...
Mas, do que é que eu estava falando mesmo?
Ah, sim, do tempo! Os tempos.
Claro que existem vantagens: pagar meia-entrada (idosos, crianças e estudantes têm essa prerrogativa, talvez porque não são consideradas pessoas inteiras), atendimento prioritário em filas exclusivas, sentar sem culpa nos bancos reservados do ônibus – em Salvador o metrô é utopia.
Certamente o saldo é positivo, com muitas dúvidas e apenas uma certeza: tenho mais passado que futuro e vivo o presente intensamente, tenho netos, e um que a cada dia me surpreende com as suas façanhas tão infantis. Tenho o prazer de vivenciar uma filha aborrecente e redescobrir essa fase em nossa vida.
É! E agora diante das mazelas da vida posso ao menos constatar o quanto nada sei, o que é preciso compreender, o que quero, e o que vou fazer, pois Deus assim quer.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Zerei o cronômetro, mas guardei na memória as experiências.

E Zerei ao meu cronômetro, e pensei: vou reiniciar a minha vida ao desembarcar num inverno rigoroso. Sou bicho do sol da praia, do sorr...