terça-feira, 2 de janeiro de 2024

Zerei o cronômetro, mas guardei na memória as experiências.

E Zerei ao meu cronômetro, e pensei: vou reiniciar a minha vida ao desembarcar num inverno rigoroso. Sou bicho do sol da praia, do sorriso largo, falante e com muita energia, oriunda de uma capital onde o carnaval, as festas populares - ou não - estão estampadas em todo o meu povo. Mulher, mãe, batalhadora, observadora, e capaz de desafiar ao desconhecido com os olhos de uma águia e a sabedoria de um monge, tracei caminhos por muitas vezes inexplicáveis, que desencadearam em meu viver experiências inovadoras. Nunca tive o apoio que tanto preciso, todavia diante do medo implorei ajuda e amparo de um Ser Superior, a quem chamo de “Santíssimo”. Conheci aos meus pais biológicos, - cada qual com características próprias - e irmãos que inexplicavelmente se fizeram ausentes mesmo procurando demonstrar o quanto gostaria de que nos aproximássemos. O fato é que somos cinco, e cada um em um isolamento onde tentam se desgarrar das próprias amarras, porém a soberba não lhes deixa. E esse impacto é repassado aos filhos, os quais vão associando palavras soltas em um caderno utópico onde o nada é permanente. Também não escapo, pois eu e os meus filhos estamos contaminados por essa praga biológica onde as gerações se aniquilam diante do desamor. As pedras soltas jogadas sobre a minha existência me serviram como travesseiro de apoio, e tentar compreender o quanto se faz necessário momentos de dor para que possamos valorizar as plumas de ganso que, aleatórias ou não, enfeitiçam aos nos pensamentos. Amores e amigos. Amores ou almas que se encontraram por alguma razão? Desconheço tamanho glamour desse sentimento, entretanto dele extraio algo. Amigos ou conhecidos nessa existência? Melhor não especificar e conter o vocábulo. Afinal como disse a esfinge: Decifra me ou devoro te! Na luta da vida árdua fiz até do mínimo pedregulho, o alicerce para saber que poderia ter com o que contar, e jamais me deixar abater. Sigo a cada novo dia encarando o amanhecer com sabedoria, perspicácia e muito atrevimento, contrariando a tudo o que astrólogos falam do meu signo. As bruxas existem e não quero desfiar todavia, elas precisam saber da minha essência.

A Carência Engana o Amor

- Olá! - Oi! E seguimos meio que sem ter a certeza de para onde, algo que estava em suspense, mas que a teimosia invadia como se deixasse a dúvida ou a incerteza. - Para onde? marcamos almoçar .... - Mercado. E como se nada mais precisasse ser esclarecido, paramos em frente ao mercantil e algumas compras eram por ele colocadas em silêncio no carrinho, e eu apenas observava a o que era escolhido. - Carnes, frangos não vai comprar? Nada foi respondido. - Ah! Biscoitos! - Não gosto de biscoitos. E seguimos ate a caixa para efetuar o pagamento, colocar as compras e .... silêncio. Seguimos. - Vamos almoçar aqui. É sistema self service. Me dirigi ao local, quando ele disse que era melhor um frango assado. Nem tive como opinar visto que a decisão havia sido tomada. E, poucas palavras foram trocadas durante a refeição. Dali seguimos para conhecer a localidade onde ele residia, entretanto pausa para uma parada onde ele teria coisas a resolver. Foram momentos angustiantes num misto de indecisões. A chuva era muito forte e o entardecer surgia como se a noite invadisse a atmosfera. As localidades por onde passavam desenhavam um filme sombrio e com desfecho em suspense...o nada, o vazio era cortado por muitas árvores e por gritos do vento que uivava como um lobo faminto.... pensei que era o meu último momento de vida. Que loucura! Pensar em saltar, em correr, em gritar não seria prudente, pois os ânimos poderiam transformar ainda mais rápido o que poderia estar por vir. A velocidade no carro contribuía também para o desespero, para um acidente. Eis que repentinamente adentramos numa via paralela mais sombria ainda, com estrada de barro, matagal, escuridão e chuva forte. Tentei demonstrar que estava bem, e nada temia. Enfim chegamos à localidade, saltei rapidamente do veículo e arrodeei a choupana que ficava no alto do morro sem sequer deixar que a chuva forte impedisse aos meus passos. Era preciso reconhecer rapidamente a área, e quem sabe buscar naquele lugar onde correr e me esconder, todavia surgiu a minha frente um vira lata assustado e também querendo proteção. - Ei, onde você está? Vamos entrar pelo fundo da casa. - Que bonito! faz tempo que mora aqui? - Até há pouco tempo tinha uma mulher, porém ela saiu sem muita conversa dizendo que ia cuidar do neto em outra cidade. - Percebo que ela deixou o sapato aqui bem na entrada.... - Ela como tantas outras me traíram. - Puxa, o que houve? Ele calou por alguns instantes e enigmático respondeu. - Fui casado, tive três filhos, sendo um adotado que eu e a minha mulher “pegamos” num desses depósitos de gente. O negrinho aparentava ter dois anos e ao nos ver sorriu e levantou os braços. A minha mulher imediatamente falou que era aquele. Hoje, já é um homem e pouco fala comigo. Não questionei, não contestei porque tudo o que desejava era saber os porquês de aquele ser tão isolado no mundo. - Não gosto de sair, de está com pessoas, de música, assistir à televisão – e não tenho – enfim aqui é aqui e pronto. Poucas vezes vou próximo comprar algum alimento, e também deixei o mato crescer bem mais para não ter a possibilidade de aparecer vizinho ou quem quer que seja. Uma das mulheres que morou aqui trouxe a mãe doente e a velha morreu aqui mesmo; logo depois ela sumiu.... fugiu para o mundo. Espantada perguntei o porquê de haver fugido, e ele apenas secamente respondeu que bastava. Fomos até a frente da casa e embora chuva continuasse muito forte não hesitei em correr no descampado em meio a noite negra e dizer que voltaria por muitas vezes e admirava a tudo o que dizia e fazia. Percebi que eu conseguia fazer crer que realmente eu também estava gostando da situação. Repentinamente afirmou que pela manhã ia fazer bananas fritas. Acolhi a ideia e tranquila respondi teria de retornar porque havia mencionado para um irmão policial não passaria a noite fora e, se não voltasse, o mesmo ficaria bravo e logo mandaria a equipe em minha busca. - Mas você ainda tem que dá satisfação a ele? - Sim, hoje em meio a tantas situações desastrosas é preciso ter precaução. Claro que você é digno de confiar e se apaixonar de logo, e amanhã nem vou dizer nada a ninguém. - Então eu vou lhe buscar e vou lhe mostrar uma tarântula, você conhece? - Uma aranha grande? - Isso mesmo, eu gosto de colocar para que ande sobre o corpo. Você tem medo? Aqui também tenho cobras e outras espécies. Arregalei os olhos e senti que o frio atravessava a minha espinha. Tremi, e demonstrei pavor. - Está assustada? Sabe fico por horas com essas espécies. O cachorro latiu, se aproximou como se demonstrasse fome e ele o chutou dizendo que o miserável trouxera para cuidar da área, e nem prestava. Dias passados ele estava deitado e como dormia com tudo bastante escuro – será que poderia ficar mais escuro? – ouviu passos na varanda, pegou a arma e abriu a porta. Era um sapo enorme pulando sobre as muitas folhas que se amontoavam no local. - E o cachorro fica sem um abrigo, perguntei. Se fosse o outro que morreu deixava ficar na parte coberta, esse aí que procure onde se abrigar. - E o outro morreu como? - Matei. Estava doente gritava muito, até que peguei um pau, dei certeira, arrastei e está ali a frente enterrado. A essa altura eu já não tinha forças para nada, apenas me perguntava o que fazer. Surgiu a ideia de perguntar sobre o café e ele falou que pouco cozinhava para não ter que lavar louças e panelas. Então, sugeri que eu deveria voltar para chegar mais cedo no outro dia. Ele me deixou na sala quase sem iluminação e foi para o quarto onde se trancou por intermináveis minutos, quando saiu abriu a porta dos fundos e pronunciou a palavra que eu mais amei: entre no carro. A lama era escorregadia, galhos caídos impedindo a passagem, vozes de animais como lamento daquele local, o frio intenso, a localidade sem vida, sem um ser humano por perto e, como se nada importasse ele falava da morte como se fosse o prazer para o sucesso. Ouvia a tudo calada até que eu enxerguei luzes de carros.... era o renascer, a esperança, o despertar daquilo que foi um desafio e um aprendizado de que carência não é amor, a ilusão conduz ao precipício, a maior companhia é a nossa própria existência.

Zerei o cronômetro, mas guardei na memória as experiências.

E Zerei ao meu cronômetro, e pensei: vou reiniciar a minha vida ao desembarcar num inverno rigoroso. Sou bicho do sol da praia, do sorr...