Historicamente os índios
têm sido objeto de múltiplas imagens e conceituações. As diferenças culturais
dos povos indígenas, dos afrodescendentes e de outros povos portadores de
identidades específicas foram sistematicamente negadas, compreendidas pelo
crivo da inferioridade e, desse modo, fadadas à assimilação pela matriz
dominante.
Os índios se sentem parte
da natureza e não são nela estranhos. Para os povos indígenas não existe doença
natural, biológica ou hereditária. Ela é sempre adquirida, provocada e merecida
moral e espiritualmente. A saúde sim é natural, pois é a própria vida, uma
dádiva da natureza, mas cuja manutenção depende de permanente vigilância e
cuidado contra os espíritos maus da natureza. A doença, portanto, é o resultado
da luta interna da natureza entre os espíritos “bons” e os espíritos “maus.”
De maneira geral, os
povos indígenas concebem doença como intervenção de alguma força da natureza,
seja como reação da própria natureza ou por meio da ação provocadora do pajé,
xamã ou benzedeiro. Antes da chegada dos portugueses, e com a eles a medicina
científica, seus remédios e tratamentos eram mais eficientes, pois conheciam as
doenças que os acometiam. Os colonizadores trouxeram com eles outras doenças
das quais os índios não tinham noção e não podiam curar – aliás, muitas dessas
doenças trazidas nem mesmo os europeus sabiam ou sabem curar até hoje. Muitos
especialistas da área médica reconhecem que os povos indígenas brasileiros, por
ocasião da chegada dos portugueses, já conheciam mais de 2 mil plantas
medicinais e muitos povos eram capazes de realizar operações e cuidar de
fraturas ósseas.
A medicina indígena é uma
das expressões culturais que mais se mantiveram. A própria Organização Mundial
de Saúde (OMS) tem se interessado em resgatar e valorizar as tradições da
medicina indígena como um conjunto de conhecimentos e valores ancestrais que
seguem cumprindo, na sociedade contemporânea, funções importantes, como o
trabalho das parteiras, a eficácia das plantas medicinais e os conhecimentos
dos pajés.
Intuíram o que a ciência
empírica descobriu: que todos formamos uma cadeia única e sagrada de vida, por
isso, a atitude de respeito em relação à natureza. Tudo é vivo e tudo vem
carregado de valor, de espírito e de mensagens sobre os segredos da vida que os
homens precisam decifrar para viver. Para os índios, o invisível faz parte do
visível, assim como os não-humanos fazem parte dos humanos. Assim, os índios
nunca buscam controlar e dominar a natureza, mas tão-somente compreendê-la,
para que se sirvam dela com respeito para tirar o seu sustento e a cura para as
doenças consideradas como o resultado da transgressão das leis da natureza e da
vida. A natureza não é um recurso manipulável, mas um habitat, uma casa, um
lugar em que se está e onde se vive. O território é um lugar sagrado, no
sentido de que ele é o próprio gerador da vida.
Os saberes indígenas
respondem às suas necessidades e desejos. Suas crenças, valores, tecnologias
etc. provêm de um conhecimento comunitário prático e profundo gerado a partir
de milhares de anos de observações e experiências empíricas que são
compartilhadas e orientadas para garantir a manutenção de um modo de vida
específico.
Mas, os povos indígenas,
ao longo de mais de cinco séculos de contato com o mundo global, aprenderam
também a conhecer e a valorizar a medicina dos brancos, centrada no uso
intensivo de medicamentos e de equipamentos médicos e na concepção de doença
como algo biológico, que é materializado e expresso nas demandas crescentes por
medicamentos, hospitais, laboratórios e outros meios científicos e
tecnológicos.
Podemos concluir que cada
cultura tem forma própria de organizar, produzir, transmitir e aplicar
conhecimentos – conhecimentos sempre no plural. Os conhecimentos indígenas são
essencialmente subjetivos e empíricos, por isso mesmo livres de métodos e
dogmas fechados e absolutos, e se garantem na efetividade prática e nos resultados
concretos que acontecem no seu cotidiano. Não importa como funciona, importa sua
eficácia. A natureza, e não o homem, é a fonte de todo o conhecimento. Cabe ao
homem desvendá-la, compreendê-la, aceitá-la e contemplá-la.
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