- Olá!
- Oi!
E seguimos meio que sem ter a certeza de para onde, algo que estava em suspense, mas que a teimosia invadia como se deixasse a dúvida ou a incerteza.
- Para onde? marcamos almoçar ....
- Mercado.
E como se nada mais precisasse ser esclarecido, paramos em frente ao mercantil e algumas compras eram por ele colocadas em silêncio no carrinho, e eu apenas observava a o que era escolhido.
- Carnes, frangos não vai comprar?
Nada foi respondido.
- Ah! Biscoitos!
- Não gosto de biscoitos.
E seguimos ate a caixa para efetuar o pagamento, colocar as compras e .... silêncio. Seguimos.
- Vamos almoçar aqui. É sistema self service.
Me dirigi ao local, quando ele disse que era melhor um frango assado. Nem tive como opinar visto que a decisão havia sido tomada. E, poucas palavras foram trocadas durante a refeição.
Dali seguimos para conhecer a localidade onde ele residia, entretanto pausa para uma parada onde ele teria coisas a resolver. Foram momentos angustiantes num misto de indecisões.
A chuva era muito forte e o entardecer surgia como se a noite invadisse a atmosfera. As localidades por onde passavam desenhavam um filme sombrio e com desfecho em suspense...o nada, o vazio era cortado por muitas árvores e por gritos do vento que uivava como um lobo faminto.... pensei que era o meu último momento de vida. Que loucura!
Pensar em saltar, em correr, em gritar não seria prudente, pois os ânimos poderiam transformar ainda mais rápido o que poderia estar por vir. A velocidade no carro contribuía também para o desespero, para um acidente.
Eis que repentinamente adentramos numa via paralela mais sombria ainda, com estrada de barro, matagal, escuridão e chuva forte. Tentei demonstrar que estava bem, e nada temia.
Enfim chegamos à localidade, saltei rapidamente do veículo e arrodeei a choupana que ficava no alto do morro sem sequer deixar que a chuva forte impedisse aos meus passos. Era preciso reconhecer rapidamente a área, e quem sabe buscar naquele lugar onde correr e me esconder, todavia surgiu a minha frente um vira lata assustado e também querendo proteção.
- Ei, onde você está? Vamos entrar pelo fundo da casa.
- Que bonito! faz tempo que mora aqui?
- Até há pouco tempo tinha uma mulher, porém ela saiu sem muita conversa dizendo que ia cuidar do neto em outra cidade.
- Percebo que ela deixou o sapato aqui bem na entrada....
- Ela como tantas outras me traíram.
- Puxa, o que houve?
Ele calou por alguns instantes e enigmático respondeu.
- Fui casado, tive três filhos, sendo um adotado que eu e a minha mulher “pegamos” num desses depósitos de gente. O negrinho aparentava ter dois anos e ao nos ver sorriu e levantou os braços. A minha mulher imediatamente falou que era aquele. Hoje, já é um homem e pouco fala comigo.
Não questionei, não contestei porque tudo o que desejava era saber os porquês de aquele ser tão isolado no mundo.
- Não gosto de sair, de está com pessoas, de música, assistir à televisão – e não tenho – enfim aqui é aqui e pronto. Poucas vezes vou próximo comprar algum alimento, e também deixei o mato crescer bem mais para não ter a possibilidade de aparecer vizinho ou quem quer que seja.
Uma das mulheres que morou aqui trouxe a mãe doente e a velha morreu aqui mesmo; logo depois ela sumiu.... fugiu para o mundo.
Espantada perguntei o porquê de haver fugido, e ele apenas secamente respondeu que bastava.
Fomos até a frente da casa e embora chuva continuasse muito forte não hesitei em correr no descampado em meio a noite negra e dizer que voltaria por muitas vezes e admirava a tudo o que dizia e fazia. Percebi que eu conseguia fazer crer que realmente eu também estava gostando da situação.
Repentinamente afirmou que pela manhã ia fazer bananas fritas. Acolhi a ideia e tranquila respondi teria de retornar porque havia mencionado para um irmão policial não passaria a noite fora e, se não voltasse, o mesmo ficaria bravo e logo mandaria a equipe em minha busca.
- Mas você ainda tem que dá satisfação a ele?
- Sim, hoje em meio a tantas situações desastrosas é preciso ter precaução. Claro que você é digno de confiar e se apaixonar de logo, e amanhã nem vou dizer nada a ninguém.
- Então eu vou lhe buscar e vou lhe mostrar uma tarântula, você conhece?
- Uma aranha grande?
- Isso mesmo, eu gosto de colocar para que ande sobre o corpo. Você tem medo? Aqui também tenho cobras e outras espécies.
Arregalei os olhos e senti que o frio atravessava a minha espinha. Tremi, e demonstrei pavor.
- Está assustada? Sabe fico por horas com essas espécies.
O cachorro latiu, se aproximou como se demonstrasse fome e ele o chutou dizendo que o miserável trouxera para cuidar da área, e nem prestava. Dias passados ele estava deitado e como dormia com tudo bastante escuro – será que poderia ficar mais escuro? – ouviu passos na varanda, pegou a arma e abriu a porta. Era um sapo enorme pulando sobre as muitas folhas que se amontoavam no local.
- E o cachorro fica sem um abrigo, perguntei.
Se fosse o outro que morreu deixava ficar na parte coberta, esse aí que procure onde se abrigar.
- E o outro morreu como?
- Matei. Estava doente gritava muito, até que peguei um pau, dei certeira, arrastei e está ali a frente enterrado.
A essa altura eu já não tinha forças para nada, apenas me perguntava o que fazer. Surgiu a ideia de perguntar sobre o café e ele falou que pouco cozinhava para não ter que lavar louças e panelas. Então, sugeri que eu deveria voltar para chegar mais cedo no outro dia.
Ele me deixou na sala quase sem iluminação e foi para o quarto onde se trancou por intermináveis minutos, quando saiu abriu a porta dos fundos e pronunciou a palavra que eu mais amei: entre no carro.
A lama era escorregadia, galhos caídos impedindo a passagem, vozes de animais como lamento daquele local, o frio intenso, a localidade sem vida, sem um ser humano por perto e, como se nada importasse ele falava da morte como se fosse o prazer para o sucesso.
Ouvia a tudo calada até que eu enxerguei luzes de carros.... era o renascer, a esperança, o despertar daquilo que foi um desafio e um aprendizado de que carência não é amor, a ilusão conduz ao precipício, a maior companhia é a nossa própria existência.